reportagem especial

Os quatro locais campeões de reclamações de sossego público em Santa Maria

Pâmela Rubin Matge


As noites em claro têm duas perspectivas: a das pessoas que se divertem até o amanhecer, e daquelas que não conseguem dormir e precisam trabalhar cedo no outro dia. Quando o assunto é sossego público em Santa Maria, essa é uma antiga briga que parece interminável.

Os "barulhentos" argumentam que a rua é pública. A prefeitura explica que faz a fiscalização por meio da Coordenadoria de Atividades Econômicas da Secretaria de Estrutura e Regulação Urbana (SERU), que atua na averiguação de alvarás de localização dos estabelecimentos causadores de perturbação, além das medições sonoras por meio Secretaria de Meio Ambiente, com apoio da Guarda Municipal.

A Brigada Militar afirma que operações para coibir a perturbação são feitas semanalmente. E, quem mora em áreas onde a barulheira é vizinha, alega cansaço diante da situação, principalmente porque o volume das músicas e vozes nunca vêm sozinhos. Sujeira, brigas e vandalismo também são frequentes.

- Eles não têm limite. No monumento O Gaúcho (no cruzamento das avenidas Medianeira e Ângelo Bolson) até a metade da Hélvio Basso é um baile funk a céu aberto. A coisa começa na quinta e vai até domingo. No forte do verão, não tem dia. Depois, é lata de cerveja, cigarro e garrafa quebrada por tudo. Aí, a gente liga e a Brigada (Militar) empurra para prefeitura, que manda chamar a polícia. Fica difícil, né? - disse um morador de um edifício da região que não quis ter o nome identificado por medo de represália.

Para o comandante do 1º Regimento de Polícia Montada (1º RPMon) da Brigada Militar (BM), tenente-coronel Erivelto Hernandes Rodrigues, o problema seria atenuado significativamente se as pessoas prezassem pelo bom senso e respeito: 

- Os bares potencializam a concentração de pessoas, mas a questão toda é educacional, pois ninguém coloca som alto na frente da própria casa, quando tem gente dormindo. É um problema mais de educação e menos de polícia - observa o comandante.

Neste início de ano, de 1º de janeiro até 25 de março, são 56 ocorrências por perturbação de sossego público, segundo BM. Em 2018, foram 273, no total. Os locais líderes se reclamações são a Hélvio Basso, seguida da Praça Saturnino de Brito, da Avenida Nossa Senhora Medianeira e da Avenida Borges de Medeiros. Já a prefeitura, que recebeu 13 demandas em relação ao barulho na cidade, acrescenta à lista, as ruas Silva Jardim, a Imbé (Bairro Medianeira) e a do Rosário. No ano passado, a prefeitura recebeu 44 reclamações acerca da perturbação do sossego público, segundo a Superintendência de Comunicação.

O ranking da barulheira*

  • 1º Avenida Hélvio Basso
  • 2º Praça Saturnino de Brito
  • 3º Avenida Nossa Senhora Medianeira
  • 4° Avenida Borges de Medeiros

Ocorrências FLAGRADAS por perturbação de sossego público*

  • Janeiro - 21
  • Fevereiro - 13
  • Até 25 de março - 22
  • Total - 56

* Conforme a Brigada Militar

OS ENDEREÇOS DO ALVOROÇO

A barulheira migra. Hoje está em uma rua, amanhã, em frente a algum estabelecimento em outro ponto da cidade. Essa característica de Santa Maria, que acontece há pelo menos uma década, se deve, segundo moradores, Brigada Militar (BM) e aos próprios donos de estabelecimentos por uma conjunção de motivos. Um é a ausência de locais de lazer noturno e democrático ao público jovem que não quer ir para as baladas. Outro é devido intensificação de operações policias e de fiscalização do município, incluindo o fechamento de alguns bares. E tem ainda o reflexo das alterações de trânsito em uma determinada região.

- A reunião de jovens migram. Atacamos (operações de fiscalização) a Praça Saturnino de Brito, em janeiro e fevereiro, por exemplo, possivelmente, em março, foram para Borges de Medeiros - menciona o comandante do 1º RPMon, Erivelton Hernandes Rodrigues.

O emblemático caso da Avenida Fernando Ferrari pode ser relembrado para que viveu em Santa Maria há cerca de 10 anos, quando o deslocamento de veículos na avenida, sobretudo, aos domingos à noite era praticamente inviável. Além da lentidão causada pelas longas filas de carros que desfilavam em um sobe e desce repetitivo, os veículos eram estacionados em quase toda extensão da via. Lá, e reuniam-se grupos que abriam os porta-malas com o volume do som nas alturas.

A vizinhança não aprovava. Em 2013, após uma ação civil pública do Ministério Público (MP), a Justiça condenou a prefeitura a indenizar moradores de três locais da cidade (incluindo a Fernando Ferrari). Porém, a ação foi julgada improcedente, já que o município fez autuações e adequações necessárias. Desde então, segundo o MP, não houve novas ações. Conforme o promotor Mauricio Trevisan, da 2º Promotoria de Justiça Especializada, em 2019, foram feitas quatro denúncias por perturbação de sossego público, sendo que uma repetia uma reclamação no ano passado. Desde janeiro deste ano, não houve nenhum Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) referente ao sossego público junto ao MP.

PATRULHA DO SOSSEGO
A Patrulha do Sossego reúne efetivos que atuam no combate do sossego público. Neste ano, segundo a BM, a patrulha efetuou cerca de 30 operações, uma média de três ou quatro por final de semana.


"RACHAS DE CARRO" E FUNK A CÉU ABERTO NA AVENIDA HÉLVIO BASSO

Na Rua 19 de abril, que faz esquina com a Hélvio Basso, a aposentada Romilda do Nascimento, 80 anos, vive há cinco décadas. Orgulhosa, conta que acompanhou a duplicação da via há seis anos e do quanto a região se desenvolveu. 

- Temos tudo aqui: mercado, lojas, bons vizinhos. Mas aí, de uns anos para cá, quando chega à noite, ninguém mais dorme.

Segundo a aposentada, o som é tão alto que treme as paredes da casa. Em frente à residência onde mora, mal dá para entrar de tantas motocicletas estacionadas e, no amanhecer,há  lixo jogado e cheiro de urina. 

- É aquelas músicas de hoje, uns funks a todo volume. A gente liga para todo mundo e ninguém resolve. Tem uns que ficam fazendo "pega" e aquela barulheira dos canos dos carros. Sem falar que temos medo que bebam e venham brigar aqui na frente. Eu chaveio tudo aqui - relata Romilda.


INDIGNAÇÃO NA HISTÓRICA PRAÇA SATURNINO DE BRITO

Já vai para 30 anos que o trabalhador autônomo Antônio Ricardo Lopes, 58 anos, vive no quarteirão das ruas Bozano, Duque de Caxias, Niederauer e Ernesto Marques da Rocha. Neste tempo todo, ele conta que já perdeu as contas de quantas reuniões com moradores, prefeitura e audiências judiciais foram feitas. Ações pontuais até reduzem o problema, que passados poucos meses voltam a acontecer. Para ele, a perturbação do sossego público vem da combinação de bares ao redor da praça, do policiamento insuficiente e da inoperância da Guarda Municipal:

- Tenho minha mãe com 90 anos. Tem dias que não dá para dormir. Começam na praça e vêm parar aqui na parada de ônibus. A gente já fez abaixo-assinado, procurou a Brigada, a prefeitura, nada resolve. Se esses bares fechassem cedo e se tivesse ao mesmo um guarda municipal fazendo ronda, um, já coibiria a bagunça. Que façam uma guarita, mas que coloquem a Guarda para trabalhar - sugere Lopes.

BRIGA E GRITARIA NA AVENIDA BORGES DE MEDEIROS

O jeito foi deixar o apartamento e ir morar em uma casa em um bairro afastado Região Central da cidade. Na última quarta-feira, o funcionário público de 44 anos, que não quis ter o nome identificado, terminava de carregar o carro com o resto da mudança enquanto conversava com a reportagem do Diário.

Morador da Avenida Borges de Medeiros há três anos, ele conta há cerca de um, a rotina da região mudou totalmente. A junção de pessoas é maior na esquina com Rua Olavo Bilac, mas também se estende para canteiro central da avenida, onde vários grupos de juntam para beber:

  - Acordo cedo para trabalhar e meu filho também. Da sacada já presenciamos até brigas, além de ficarem ouvindo música alta, bebendo e gritando até a madrugada. Se os bares cumprissem as regras e fechassem no horário, não teria esse problema. Há um ano não era assim.

O QUE DIZ A LEI

Os decibéis permitidos estão estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, além da Lei Complementar 092/2012 (Código de Posturas) nos artigos 21 ao 33. Os equipamentos para medir decibéis estão na Secretaria de Meio Ambiente.

 Em Santa Maria, o 1º Regimento de Polícia Montada (1º RPMon)da Brigada Militar informou que não possui decibelímetros. Contudo, para constatação da contravenção não há necessidade de medição por meio do aparelho. Se não for caso de flagrante, a BM atua mediante denúncias. Qualquer morador que se sinta incomodado pode acionar a polícia, desde que sirva como testemunha na Justiça.

Como agir em caso de perturbação

  • Solicitar a presença da Brigada Militar por meio do telefone 190
  • Comunicar a prefeitura por meio da Ouvidoria no 156, pela Coordenadoria de Fiscalização de Atividades Econômicas da Secretaria de Estrutura e Regulação Urbana (SERU) no telefone (55) 3921-7048 ou diretamente no setor, no 1º andar do Centro Administrativo Municipal (Rua Venâncio Aires, 2.277 )
  • As denúncias abrangem cultos religiosos, casas noturnas, motores de equipamentos de refrigeração, oficinas mecânicas e concessionárias veiculares
  • Em caso de problema recorrente, encaminhar abaixo-assinado, com o maior número de assinaturas ao Ministério Público. Informações - (55) 3222-9049


COMERCIANTES SE DEFENDEM

Se moradores e órgãos fiscalizadores atribuem, às distribuidoras de bebidas, o gatilho para as aglomerações e a perturbação, alguns comerciantes têm argumentos diferentes.

Os proprietários do Bruxo Ponto de Bebidas partem essencialmente de um esclarecimento quanto a especificidade do negócio: a distribuidora. Para eles, o que difere de bares é a ausência de mesas, cadeiras e, sobretudo, locais que incentivem o acúmulo de pessoas:

- Somos um drive. Pega a bebida e sai- esclarece Rogério Pinto, 25 anos, proprietário do estabelecimento.

Sabrina Trindade, 25 anos, também proprietária da mesma distribuidora salienta que é inviável que a Lei Municipal permita funcionamento até as 22h ou, no máximo, até a 1h.

- Não tem lógica trabalharmos em horário comercial e competir mos com o valor dos supermercado. Pagamos impostos bem mais altos e em outras cidades, as distribuidoras têm alvará para abrir na madrugada. Só aqui não é assim - indigna-se a comerciante.

Para Sabrina, determinar o fechamento de distribuidoras como solução para a barulheira é uma medida simplista e incoerente:

- Cortamos a bebida para que cliente vá embora, quando insiste em ficar na volta e temos dois seguranças que são orientados a dizer para as pessoas que não consumam bebidas nas proximidades. A gente também quer sossego público, como cidadão quer tranquilidade para trabalhar. Somos totalmente a favor dos órgãos competentes atuarem para acabar coma perturbação nas ruas, para que a vizinhança tenha descanso e nós também, pois não trabalhamos descansados, não conseguimos dar conta de pedir a dispersão quando há aglomeração. 

ABORDAGEM E CONSTATAÇÃO

  •  A primeira avaliação diz respeito à identificação da zona em que está ocorrendo a emissão sonora. Por exemplo, se a zona é estritamente residencial, a restrição é maior que as demais
  • Entre as zonas estão: estritamente residencial, residencial e comercial, estritamente comercial, comercial e industrial, exclusivamente industrial
  • Os níveis de intensidade de som ficam definidos como diurno, entre 7h e 19h; vespertino, entre 19h e 22h; e noturno, entre 22h e 7h
  • Em decibéis, a tolerância diurna e noturna, respectivamente - Área de residências rurais 40 e 35; área estritamente residencial urbana ou de hospitais ou de escolas 50 e 45; área mista predominantemente residencial 55 e 50; área mista com predominância de atividades comerciais e/ou administrativa 60 e 55; área mista com predominância de atividades culturais, lazer e turismo 65 e 55; e área predominantemente industrial 70 e 60

O QUE ACONTECE COM QUEM PERTURBA O SOSSEGO PÚBLICO

  • Após a constatação do descumprimento da lei, é confeccionado um Termo Circunstanciado conforme art. 42 da Lei das Contravenções Penais, onde, em negando-se em assinar, o contraventor será conduzido à delegacia. Se constatada a infração de trânsito, conforme o artigo 228 do Código de Trânsito Brasileiro, o condutor será autuado. Além da pessoa poder ser detida, veículos e aparelhos de som também podem ser recolhidos até que a ocorrência seja finalizada
  • Conforme artigo 42 da LCP, a pena é de prisão simples, de quinze dias a três meses, multa ou prestação de serviço
  • Conforme artigo 228 do CTB, é infração grave, com multa de R$ 195,23 e 5 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH)

REPORTAGEM - Pâmela Rubin Matge

FOTOS - Gabriel Haesbaert e Pedro Piegas



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